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MANDIC

DESCANSE EM PAZ,

ALEKSANDAR MANDIC

É com enorme pesar que a MS informa o falecimento de um dos “pilares” da Internet no Brasil, o empresário Aleksandar Mandic, que nos deixou ontem (06/05/2021) por problemas decorrentes de leucemia, o empresário estava em uma fila de espera para transplante. Em 2020 passou por um caso grave de COVID e precisou ser entubado, mas conseguiu sobreviver, provavelmente a saúde se debilitou ainda mais e ele não resistiu.

Mandic — como era conhecido pelos amigos — contava com 66 anos nesta data e foi um dos pioneiros da Internet no Brasil, desde os anos 80, quando a Internet sequer existia no pais, mas já era explorada por alguns pioneiros.

Apesar do nome, Mandic é brasileiro, nasceu em São Paulo em 12 de Agosto de 1954, seus pais eram de ascendência sérvia, mas viviam no Brasil quando ele nasceu.

Vamos deixar sua história ser contada por Divino Leitão, que o conheceu pessoalmente e inclusive trabalhou com ele, no provedor de Internet, que levava o nome Mandic, no final dos anos 90.

O QUE É BBS?

Esta sigla era bastante conhecida nos anos 80, é abreviatura de Bulletim Board System ou —  para ficar mais claro —  “Sistema de Quadro de Avisos” e para quem nunca ouviu o termo, basta dizer que era a “Internet” dos anos 80.

O serviço nasceu nos EUA, em 1978 e ao contrário de outros serviços similares que eram exclusivos para uso de militares e acadêmicos, já nasceu voltado para o público comum, normalmente os nerds da época, que já usavam computadores.

Os BBS permitiam que as pessoas ligassem para um número de telefone e fizesse algumas das coisas que fazemos hoje através da Internet, troca de mensagens, usar grupos, enviar e baixar arquivos e frequentar salas de chat, além de muitas outras coisas. Só que não era em tempo real, um programa permitia pegar todas as mensagens do “quadro de avisos”, depois se desligava o telefone, fazia tudo off line, ligava de novo para o número e o programa cuidava de enviar tudo e pegar um novo lote de arquivos.

Isso era feito usando uma linha de telefone comum e como as linhas de telefones eram raras e caras, normalmente a disputa era grande para conseguir ligar para um BBS, a maioria inclusive funcionava de forma precária, abrindo a linha apenas de madrugada, já que durante o dia o telefone deveria servir a alguma família ou empresa. Era algo bastante amador e restrito a uns poucos corajoso.

Dois nomes se destacaram neste cenário, onde alguns jovens empreendedores se arriscaram, um deles foi o Mandic em São Paulo e no Rio de Janeiro acompanhei mais a trajetória de Charles Miranda. Ambos eram visivelmente mais ousados, Mandic deu seu nome ao serviço e Charles chamou de Hot-Line, que depois mudou para Inside e ambos pensaram no serviço como um negócio, investiram em telefones que ficavam ligados 24 horas e tinham mais de um número de acesso, algo que realmente diferenciava os serviços e tudo isso ainda na sala de casa, com equipamentos modestos e um enorme trabalho para configurar e manter funcionando os programas de BBS, que exigiam algum conhecimento técnico e dedicação.

Nesta época o BBS era um serviço local, disponível em apenas uma cidade, muitas vezes apenas um bairro, coisa de grupos pequenos de amigos.

Em breve os respectivos BBS de Charles e Mandic, se tornarem os mais conhecidos do Rio e São Paulo e muitas pessoas pagavam ligação interurbana — caríssima naquela época — para poder acessar os serviços e em breve ambos se uniram com a “Ponte Aérea” uma ligação do BBS do Mandic com o do Charles, que foi crescendo e se estendendo pelo Brasil e logo ultrapassando as fronteiras do pais, lembrando que a Internet por aqui era ainda um sonho distante.

Eles evidentemente não eram os únicos trabalhando nisso, no Rio o primeiro BBS foi criado por Paulo Cesar Pinto, que também foi muito atuante e a este se uniram diversos nomes, que não tentarei lembrar, tanto pela quantidade quanto o fato que certamente esquecerei alguns. Este grupo de empreendedores foram criando grupos maiores e conectando seus respectivos BBS em redes como a FidoNet, que ligou vários BBS ao resto do mundo, ou seja, a pessoa acessava um BBS e ganhava praticamente uma Internet de brinde.

No início dos anos 90, quando a Internet dava seus primeiros passos em direção ao Brasil a Fidonet já ligava quase 10 mil BBS ao redor do mundo e o que era uma brincadeira de garotos se tornava algo que provavelmente era maior que a própria Internet da época, ainda restrita aos Estados Unidos.

A internet finalmente chegou ao Brasil, nas mãos de gigantes como a IBM ou de instituições como o Ibase, gerenciado por Herbert de Souza, irmão do humorista Henfil, mas não chegava ao público. Um simples e-mail era raríssimo de se conseguir, para isso era preciso ser funcionário da IBM, ou ligado ao Ibase, sendo que após a ECO 92, um evento internacional onde a Internet foi bastante utilizada todo mundo queria ter seu e-mail e seu provedor, mas a oferta era ainda baixa e os valores impraticáveis e no caso do Ibase, única opção mais acessível não tinha espaço para todos.

Foi neste momento que tanto Charles Miranda, quanto Aleksandar Mandic deram seu grito de independência e deixaram de ser BBS para serem provedores de Internet, muitos dizem que um ou outro foram os primeiros, mas nada disso é real, o primeiro de fato foi a Embratel, que dominava o cenário das comunicações no Brasil, mas uma decisão governamental permitiu que o serviço fosse desmembrado para que pequenos provedores pudessem realizar o trabalho, de forma descentralizada e tirando também o monopólio das mãos da Embratel.

E tanto Mandic quanto Charles iniciaram seus provedores de acesso, Charles com o Inside e Mandic criando, a Mandic BBS e deixando seu emprego de 18 anos na Siemens para criar sua própria empresa.

Poucos sabem, uma vez que um contrato que impedia a divulgação proibia a divulgação isso, mas quem montou toda a base de Internet da rede Globo de televisão foi o Charles Miranda e mais que isso, foi ele quem deu as diretrizes para a própria Embratel atuar no Rio, atividades que fez em conjunto com o IIS, de Inside Internet System. Eu era um funcionário informal da empresa, atuando principalmente na área de suporte, era eu quem atendia aos famosos da época, o que me levou a conhecer muita gente interessante, foi uma época bem legal.

MANDIC E EU

Em 1998, por questões particulares decidi mudar do Rio Para Ribeirão Preto, minha cidade de origem e nesta época trabalhava justamente no CPD da Micro Sistemas, no auge da revista em sua versão impressa. Quando soube que eu iria para Ribeirão, Mandic me ofereceu o cargo de gerente da filial do provedor na cidade, que tinha acabado de ser instalado.

Lembro que cheguei lá numa quinta feira e o Mandic me recebeu pessoalmente, para entregar as chaves  e dizer que eu tinha carta branca para fazer aquilo funcionar e dei sorte na estreia, pois havia uma feira de informática local acontecendo naquele mesmo final de semana na cidade. Nem sei como consegui um stand e em apenas um dia montei o stand da Mandic e sai daquele FDS com mais de 200 novos usuários cadastrados, achei até que foi pouco, já que fiquei sozinho no lugar e nem dava conta de cadastrar todo mundo. Mas foi um feito memorável para a empresa, recebi muitos elogios. (DL)

Mandic foi um bom “patrão”, na verdade eu não era funcionário dele, cuidava dos interesses da filial e recebia uma comissão, este era o formato de trabalho. Tinha liberdade total para fazer lá o que desejasse. Como a sede ficava em um prédio central da cidade, muito bem localizado e eu tinha como vizinho de andar a filial local da SUCESU, fiz uma parceria com eles, montei um curso em uma sala que sobrava e foi uma época promissora, cheguei a Ribeirão Preto, de volta em grande estilo.

Mas isso acabou rápido, no ano seguinte a Mandic foi vendida para uma empresa da Argentina e só fiquei sabendo da transação quando chegaram lá na filial, pediram a chave e nem me deixaram tirar coisas particulares, inclusive computadores.

Obviamente não fiquei muito feliz com esta situação, na verdade eu até tinha intenções de voltar ao Rio de Janeiro e estava analisando como fazer as duas coisas, uma das minhas opções seria deixar um irmão como gerente da filial e seguir meus negócios no Rio, mas a situação foi resolvida de uma forma inesperada e nem um pouco a meu favor.

Procurei o Mandic, que me propôs uma indenização e como era uma negociação amigável, ficou tudo na mão de um advogado dele, este sim um pilantra, que certamente enganou a ambos. Fiquei sem a indenização — que foi recebida pelo advogado — e isso acabou criando um abismo entre o antigo amigo e atual ex-patrão, minha decisão foi deixar para lá.

Quando Mandic resolveu se candidatar a um cargo político, nem me lembro exatamente que ano, me fez um convite para apoiar a campanha, lembro que até fui desnecessariamente grosseiro com ele e isso selou nossa amizade, desde então nunca mais nos falamos.

UMA CARREIRA IMPECÁVEL

Sempre acompanhei seu trabalho, tínhamos muitos amigos em comum, inclusive o Charles Miranda, para quem voltei a trabalhar, sempre informalmente, até o fechamento do IIS, por volta de 2000, lembro até que ele me doou alguns equipamentos, um ar condicionado e várias cadeiras para um negócio que eu iniciava na Ilha de Paquetá, no Rio.

Mandic, por sua vez, após vender o provedor, para uma empresa que popularmente ficou conhecida como “O site” e que tentou conquistar os brasileiros, com um agressivo marketing, mas sumiu do cenário tão rápido quanto surgiu.

Enquanto isso Mandic lançava no Brasil o IG — de Internet Grátis — um dos primeiros provedores de conteúdo do país e que fez enorme sucesso. Observe-se o senso de oportunidade, quando todos estão oferecendo BBS grátis o Mandic vem e cobra pelo serviço e quando todos estão cobrando (e caro) ele vem e oferece de graça.

A venda do provedor não foi um acaso ou jogada de negócios, a verdade é que Mandic, um cara muito bem informado, sabia que os pequenos provedores, mesmo os maiores, como o dele estavam com seus dias contados, a antiga decisão de deixar pequenas empresas cuidarem da Internet tinha dado certo mas não era mais interessante ao governo e estavam traçando —  sempre sem nos informar, claro — a mudança de comando para as empresas de telefonia celular, que receberam da Embratel o controle das comunicações no pais.

Nesta brincadeira os pequenos iam dançar em breve, como de fato aconteceu e Mandic tratou de passar a bola para a empresa argentina, que ficou com o mico na mão.

Charles também tirou o time de campo a tempo, que me lembre não vendeu o IIS para ninguém, foi trabalhar para o governo, aproveitando seu cabedal de conhecimento e tenho certeza que está por trás das melhores decisões. Infelizmente também perdi o contato com ele, mas certamente continua um grande amigo, lembrado com carinho.

Apesar dos desencontros, nunca deixei de admirar Mandic, vi que após deixar o IG ele reabriu a empresa com seu nome e fez coisas interessantes, como lançar um serviço VIP de e-mail e entre outras e passou a se dedicar a prestar serviços na nuvem, também com muito sucesso.

Criou também um interessante sistema de compartilhamento de senhas de wi-fi, chamado “Mandic Magic”, que fez muito sucesso e atualmente existe com o nome de Wi-Fi Magic, como sempre inovando em tecnologia.

Desta forma sua fama extrapolou as fronteiras do pais e certamente pode ser considerado como um dos maiores empreendedores da área de tecnologia do Brasil, uma pena que nos deixe tão novo pois certamente ainda tinha muito a criar e produzir, mesmo estando aposentado e curtindo os merecidos frutos de um trabalho incessante e bem feito.

Lamento profundamente não ter ocorrido uma oportunidade de reencontra-lo e colocar uma pedra sobre nosso desentendimento, sempre achei que um dia o encontraria em um evento, faríamos um brinde aos bons tempos e que eu faria piadas sobre sua semelhança com o Dr. Herb Melnick, o personagem que casou com a ex-mulher do Alan, da série “Two and a Half Man”, sempre que o vejo, lembro do Mandic.

Enquanto dava uma olhada nos seus dados e outras noticias de seu passamento, descobri que foi homenageado em um seriado chamado “Sillicon Valley”, com um personagem chamado George Mandic, este tipo de honraria é para poucos e certamente é merecida.

Se temos a internet organizada de hoje devemos agradecer a pessoas como o Mandic e o Charles, faço questão de citar ambos porque sei que foram os primeiros a se unir para fazer o sistema dar certo, ao invés de disputarem espaço, como muitos fizeram, se juntaram desde o início, fazendo a diferença, ambos estavam em todas as reuniões que decidiram os rumos da Internet no Brasil e que infelizmente parece começara a ficar orfã daqueles que estavam com a pá, o cimento e os tijolos no momento de fazer os alicerces.

Vá em paz Mandic, você foi um exemplo e no meu entendimento deveria permanecer por aqui por bem mais tempo, para curtir toda essa bagaça que foi um dos primeiros a acreditar que ia dar certo.

Para quem não teve o privilégio de conhece-lo, fica uma entrevista que mostra bem o cara legal que ele sempre foi.

Divino Leitão, admirador e fã.

 

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